Um documento interessante para percebermos a promiscuidade entre poder económico e poder político destes 36 anos de Democracia e a importância, negativa, da “geração” Cavaquista!
"Os Donos de Portugal - Cem Anos de Poder Económico" (Afrontamento): é um excelente documento para perceber quem é quem neste país. Uma das partes mais interessantes do livro trata do trânsito de quadros entre a política e os negócios, estudando o percurso de 115 ex-ministros e ex-secretários de Estado das Finanças e de outras pastas estratégicas.
Chega a algumas conclusões interessantes. Que há uma integração sistemática garantida por esta espécie de correios de interesses, portadores de informação valiosa e de capacidade de influência nos dois terrenos. Saltam de ministérios para conselhos de administração e têm participações cruzadas em várias empresas. Mira Amaral, Nogueira Leite, Murteira Nabo e Luís Todo Bom são os casos mais notórios deste tipo de 'globetrotters'. Que em extraordinários fenómenos de ascensão social a participação no governo é muitas vezes o momento crucial. Ou seja, o aparelho de Estado serve para moldar uma nova burguesia que se associa à velha de um século. E que a promiscuidade entre os principais grupos e os governos é absoluta. Se nuns casos o trânsito faz-se da política para os principais grupos, noutros, como é o caso do grupo Mello, faz-se através de um vai e vem indiscreto. Para se ter uma ideia, um em cada dez dos ex-governantes analisados passaram pelos órgãos sociais do grupo Espírito Santo e um em cada cinco pelos do BCP.
Olhando para esta impressionante rede de poder podemos perceber onde está a origem de algumas decisões ruinosas do Estado português, que hoje pagamos bem caras. É que nem são os que elegemos que nos governam nem somos nós o objecto do seu governo.
Geração cavaquista.
Quando Cavaco chegou ao governo de Sá Carneiro eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. E durante dez anos, coincidindo com os primeiros anos da minha vida independente, vi uma das maiores oportunidades do século passar ao lado deste país. Rios de dinheiro desperdiçados e um modelo de desenvolvimento de pernas para o ar. Um país de patos bravos, esquemas, cursos fantasmas, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Duarte Lima. E um primeiro-ministro que às perguntas difíceis respondia com bolo-rei na boca e à contestação com bastonadas.
Quando Cavaco saiu eu já tinha 26. No seu egoísmo estrutural, enterrou o seu partido por causa de um tabu. Perdeu as presidenciais, porque o país ainda se lembrava do mar de escândalos em que se afogava o seu governo em fim de mandato. Quando finalmente foi eleito presidente eu tinha 36. Foram cinco anos de um estadista pequeno, entre a paranoia das escutas que nunca existiram e a ausência nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português.
Se for reeleito, terei 46 anos quando finalmente abandonar a vida política. Percebam que me custe, que dos 11 aos 46 anos terei vivido a influência deste profissional, vê-lo representar o papel de quem nada tem a ver com o estado em que estamos. Ele, que é a política portuguesa em tudo que ela tem de pequeno: os amigos nos negócios, os truques palacianos, o Estado perdulário. Ele, que tão mal se dá com o que na política vale a pena: o confronto de ideias, a coragem de correr riscos, a ética republicana. Apresenta-se como o último garante moral da Nação mas é talvez o maior símbolo de tantos anos perdidos. Os mais importantes da minha geração.
Daniel Oliveira
Texto publicado na edição do Expresso de 30 de Outubro de 2010
Chega a algumas conclusões interessantes. Que há uma integração sistemática garantida por esta espécie de correios de interesses, portadores de informação valiosa e de capacidade de influência nos dois terrenos. Saltam de ministérios para conselhos de administração e têm participações cruzadas em várias empresas. Mira Amaral, Nogueira Leite, Murteira Nabo e Luís Todo Bom são os casos mais notórios deste tipo de 'globetrotters'. Que em extraordinários fenómenos de ascensão social a participação no governo é muitas vezes o momento crucial. Ou seja, o aparelho de Estado serve para moldar uma nova burguesia que se associa à velha de um século. E que a promiscuidade entre os principais grupos e os governos é absoluta. Se nuns casos o trânsito faz-se da política para os principais grupos, noutros, como é o caso do grupo Mello, faz-se através de um vai e vem indiscreto. Para se ter uma ideia, um em cada dez dos ex-governantes analisados passaram pelos órgãos sociais do grupo Espírito Santo e um em cada cinco pelos do BCP.
Olhando para esta impressionante rede de poder podemos perceber onde está a origem de algumas decisões ruinosas do Estado português, que hoje pagamos bem caras. É que nem são os que elegemos que nos governam nem somos nós o objecto do seu governo.
Geração cavaquista.
Quando Cavaco chegou ao governo de Sá Carneiro eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. E durante dez anos, coincidindo com os primeiros anos da minha vida independente, vi uma das maiores oportunidades do século passar ao lado deste país. Rios de dinheiro desperdiçados e um modelo de desenvolvimento de pernas para o ar. Um país de patos bravos, esquemas, cursos fantasmas, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Duarte Lima. E um primeiro-ministro que às perguntas difíceis respondia com bolo-rei na boca e à contestação com bastonadas.
Quando Cavaco saiu eu já tinha 26. No seu egoísmo estrutural, enterrou o seu partido por causa de um tabu. Perdeu as presidenciais, porque o país ainda se lembrava do mar de escândalos em que se afogava o seu governo em fim de mandato. Quando finalmente foi eleito presidente eu tinha 36. Foram cinco anos de um estadista pequeno, entre a paranoia das escutas que nunca existiram e a ausência nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português.
Se for reeleito, terei 46 anos quando finalmente abandonar a vida política. Percebam que me custe, que dos 11 aos 46 anos terei vivido a influência deste profissional, vê-lo representar o papel de quem nada tem a ver com o estado em que estamos. Ele, que é a política portuguesa em tudo que ela tem de pequeno: os amigos nos negócios, os truques palacianos, o Estado perdulário. Ele, que tão mal se dá com o que na política vale a pena: o confronto de ideias, a coragem de correr riscos, a ética republicana. Apresenta-se como o último garante moral da Nação mas é talvez o maior símbolo de tantos anos perdidos. Os mais importantes da minha geração.
Daniel Oliveira
Texto publicado na edição do Expresso de 30 de Outubro de 2010
Um trabalho fabuloso de alguns dirigentes do BE.
ResponderEliminar