sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

"Os Donos de Portugal - Cem Anos de Poder Económico"

Um documento interessante para percebermos a promiscuidade entre poder económico e poder político destes 36 anos de Democracia e a importância, negativa, da “geração” Cavaquista!

"Os Donos de Portugal - Cem Anos de Poder Económico" (Afrontamento): é um excelente documento para perceber quem é quem neste país. Uma das partes mais interessantes do livro trata do trânsito de quadros entre a política e os negócios, estudando o percurso de 115 ex-ministros e ex-secretários de Estado das Finanças e de outras pastas estratégicas.

Chega a algumas conclusões interessantes. Que há uma integração sistemática garantida por esta espécie de correios de interesses, portadores de informação valiosa e de capacidade de influência nos dois terrenos. Saltam de ministérios para conselhos de administração e têm participações cruzadas em várias empresas. Mira Amaral, Nogueira Leite, Murteira Nabo e Luís Todo Bom são os casos mais notórios deste tipo de 'globetrotters'. Que em extraordinários fenómenos de ascensão social a participação no governo é muitas vezes o momento crucial. Ou seja, o aparelho de Estado serve para moldar uma nova burguesia que se associa à velha de um século. E que a promiscuidade entre os principais grupos e os governos é absoluta. Se nuns casos o trânsito faz-se da política para os principais grupos, noutros, como é o caso do grupo Mello, faz-se através de um vai e vem indiscreto. Para se ter uma ideia, um em cada dez dos ex-governantes analisados passaram pelos órgãos sociais do grupo Espírito Santo e um em cada cinco pelos do BCP.

Olhando para esta impressionante rede de poder podemos perceber onde está a origem de algumas decisões ruinosas do Estado português, que hoje pagamos bem caras. É que nem são os que elegemos que nos governam nem somos nós o objecto do seu governo.
Geração cavaquista.
Quando Cavaco chegou ao governo de Sá Carneiro eu tinha 11 anos. Quando chegou a primeiro-ministro eu tinha 16. E durante dez anos, coincidindo com os primeiros anos da minha vida independente, vi uma das maiores oportunidades do século passar ao lado deste país. Rios de dinheiro desperdiçados e um modelo de desenvolvimento de pernas para o ar. Um país de patos bravos, esquemas, cursos fantasmas, Oliveira e Costa, Dias Loureiro, Duarte Lima. E um primeiro-ministro que às perguntas difíceis respondia com bolo-rei na boca e à contestação com bastonadas.

Quando Cavaco saiu eu já tinha 26. No seu egoísmo estrutural, enterrou o seu partido por causa de um tabu. Perdeu as presidenciais, porque o país ainda se lembrava do mar de escândalos em que se afogava o seu governo em fim de mandato. Quando finalmente foi eleito presidente eu tinha 36. Foram cinco anos de um estadista pequeno, entre a paranoia das escutas que nunca existiram e a ausência nas cerimónias fúnebres do único Nobel da Literatura português.

Se for reeleito, terei 46 anos quando finalmente abandonar a vida política. Percebam que me custe, que dos 11 aos 46 anos terei vivido a influência deste profissional, vê-lo representar o papel de quem nada tem a ver com o estado em que estamos. Ele, que é a política portuguesa em tudo que ela tem de pequeno: os amigos nos negócios, os truques palacianos, o Estado perdulário. Ele, que tão mal se dá com o que na política vale a pena: o confronto de ideias, a coragem de correr riscos, a ética republicana. Apresenta-se como o último garante moral da Nação mas é talvez o maior símbolo de tantos anos perdidos. Os mais importantes da minha geração.

Daniel Oliveira
Texto publicado na edição do Expresso de 30 de Outubro de 2010

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