quarta-feira, 12 de maio de 2010

O FACTOR NOBRE

O FACTOR NOBRE

Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

Mário Soares tem razão ao considerar "despropositado" discutir as presidenciais à distância de um ano e quando o país enfrenta os demónios que andam aí à solta. Mas Mário Soares não é candidato. Se fosse, provavelmente diria algo diferente. Até porque mais adiante, na entrevista a Mário Crespo, observava, com aparente surpresa e em tom de lamento, que a mesma comunicação social que tanto fala de Alegre não tem dado a Fernando Nobre a atenção que, do seu ponto de vista, ele merece. Ora, falar de Nobre é falar das presidenciais que Soares diz não compreender que se discutam desde já...
Mais crise, menos crise, teremos eleições em Janeiro. E a partir do momento em que um dos principais concorrentes, Manuel Alegre, se apresenta formalmente, elas entram na agenda política regular. Soares está no centro desse debate, querendo ou não - e quer, obviamente, ou talvez nem tivesse dado esta entrevista, ainda que a pretexto de um novo livro, na semana em que Alegre se apresentou. A sua influência num PS dividido acerca do candidato-poeta pesa bastante. Pode-se dizer mesmo que a falta do apoio de Soares nesta fase da candidatura prejudica Alegre tanto ou mais do que a demora da direcção do PS a dar-lhe o "sim". Até porque tudo indica que este virá em breve e o de Soares, com toda a força que a sua opinião ainda tem entre socialistas, não socialistas e, sobretudo, nos media, não é certo que algum dia chegue.
Se não chegar, Alegre terá falhado o seu propósito de mobilizar toda a esquerda, que o levou a tentar a quadratura do círculo esta semana saudando, no mesmo discurso solene de candidatura, as duas figuras tão dificilmente compatíveis que quer juntar como seus apoiantes: Francisco Louçã e José Sócrates.
Percebe-se a mal dissimulada ansiedade de Alegre. A demora socialista fragiliza-o. E a presença de outro candidato no terreno inquieta-o. Na verdade, por mais irrelevante que agora pareça, a candidatura de Fernando Nobre é uma incógnita de primeira grandeza quanto ao desfecho da eleição presidencial. E não só para Manuel Alegre. Aliás, ela favorece o candidato-poeta. Os votos que Nobre tiver não virão apenas da esquerda. E, poucos que sejam, podem revelar-se bastantes para retirar a Cavaco Silva, que em 2006 ganhou por apenas 0,6 por cento, a vitória na primeira volta.
Num país zangado com a sua classe política e que não se sabe em que situação económica e social se encontrará no fim do ano, não é certo que o actual Presidente passe incólume os cinco anos de coabitação com José Sócrates, primeiro cordata, depois tensa ou mesmo conflitual quanto a grandes opções políticas. E um candidato não alinhado partidariamente, com o perfil do fundador da AMI, é uma pedra na engrenagem com consequências imprevisíveis. Mário Soares acarinha-o e valoriza-o - até na veemência com que recusa a ideia de ser o seu patrocinador -, tendo o aparente propósito de enfraquecer Alegre, que nas eleições de há cinco anos o empurrou para o terceiro lugar. Na prática, porém, Fernando Nobre pode revelar-se uma surpresa desagradável, não para Alegre, mas para Cavaco, forçando-o a uma segunda votação de desfecho incerto ou, pelo menos, diminuindo-o perante os outros ex-Presidentes, todos reeleitos à primeira com esmagadora vantagem. Para a História, o grande rival de Soares não é Alegre, mas sim Cavaco. E isso, mais do que o terceiro lugar que obteve em 2006, pode explicar a resistência do ex-Presidente ao candidato-poeta e a simpatia com que encara o factor Nobre.

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